Disseram-me um dia que a gente só sabe onde chega depois de lá chegar. Acreditei na sentença, como é evidente, que a sabedoria popular nunca se engana e raramente tem dúvidas. E, em consequência, passei a adoptá-la como regra de prudência para as contingências da vida.
Por uma qualquer razão que ignoro, nunca me ocorreu aplicá-la à política. Se calhar, por nunca lá ter andado. Ainda assim, não desconheço que há poucas coisas na vida mais dadas ao sobe e desce. O que hoje é uma coisa, amanhã pode muito bem ser outra. Quem hoje está lá em cima, amanhã vem parar cá abaixo. A verdade de hoje é muitas vezes a mentira de amanhã. E nem as linhas de permanência que entre nós a estruturam deveriam ter-me feito esquecer que a volatilidade é uma das características mais importantes do tempo curto da política.
Que arrevesada reflexão, dirão os meus improváveis leitores. Sejam os que passam por aqui porque sim. Sejam os que por cá andam com segundas intenções. Sejam os vigilantes das ideias alheias potencialmente perigosas.
Passo então à explicação que é devida.
Acontece que pela leitura do DN percebi que o PSD abriu uma nova frente de combate ao primeiro-ministro. Como não podia deixar de ser, o pretexto desta vez é a crise. E do que a direcção política social-democrata se queixa é do facto de Sócrates não ter incluído a Madeira no plano anti-crise que recentemente anunciou.
Devo confessar que num primeiro momento achei justíssima a reclamação laranja. Sendo a Madeira uma parcela portuguesa, de facto parece mal que um plano qualquer da República lhe possa passar ao lado. Pagamos impostos como pagam os restantes portugueses. Não há lei que nos possa diminuir os direitos. E o governo que nos representa lá fora é o mesmo que representa o resto do país. Vai daí dei por mim a considerar que Lisboa desta vez foi longe de mais. Só que depois lembrei-me que somos uma região dotada de instituições políticas de auto-governo. Que dizem irresponsavelmente que não há crise que nos atinja. Que asseguram a quem as ouve que temos um desemprego residual. Que vão ao ponto de recomendar ao país as fórmulas de política económica que por cá se praticam, como se fossemos um país diferente ou um caso à parte. E que têm até o direito de bloquear iniciativas sobre matérias que nos dizem respeito caso não sejam previamente consultadas.
Aqui chegado, a minha primeira convicção vacilou. Porque dei por mim a pensar que seria considerado um insuportável atrevimento que um primeiro-ministro qualquer nos incluísse à nossa revelia num qualquer dos seus planos. Porque me lembrei que o anti-centralismo militante que faz de conta que nos governa não admite que venha alguém de fora dizer-nos o que é que precisamos. Porque não consegui deixar de pensar que a cultura política oficial vigente por cá nos diz que uma coisa é a Madeira e outra é o rectângulo. E porque, nesta sequência de ideias, não me consegui lembrar de uma única iniciativa do governo regional no sentido da nossa inclusão, previamente negociada, no tal famigerado plano anti-crise.
Isto desculpa totalmente a omissão do primeiro-ministro e do seu governo? Sinceramente, não creio. Mas absolve de algum modo o poder político regional? A resposta só pode ser um rotundo e sonoro não. Quanto mais não seja, porque é o poder que nos está mais próximo. E porque lhe incumbe, em primeira instância, a missão de nos representar.
O episódio teve, no entanto, alguns méritos. Demonstrou que nas alturas de maior aperto até os autonomistas mais empedernidos parecem dispostos a atirar às malvas a autonomia de que se julgam donos - agora até acham que o estado central deveria lembrar-se de nós à revelia dos nossos órgãos de governo próprio. E revelou como um poder autonómico esgotado, sem soluções, quezilento, falho de ideias, e que desistiu de nos representar, é capaz de atirar a autonomia que devia defender para o colo do centralismo, apenas com o miserável propósito de se desculpabilizar ou tentar salvar a pele. E aqui termino voltando ao ponto de partida. A verdade é que nunca imaginei que os políticos que fizeram da autonomia o sustento político e material das suas carreiras pudessem chegar ao ponto de um dia pedir que se deixe de fazer caso dela. Uma verdadeira tristeza! São precisos novos autonomistas, é o que é. Porque, como se vê, estes já chegaram onde nunca se pensou que algum dia pudessem chegar.
Bernardino da Purificação
3 comentários:
Parece que AJJ nomeou mais um delfim...teremos que esperar que o Cristiano Ronaldo faça 40 anos e que entretanto tenha juízo e se inscreva no PSD/M!
É verdade que pagamos impostos no entanto esses impostos ficam por cá! É feio querer comer do bolo para o qual não contribuímos!
Para a quadrilha que se apoderou do poder nesta terra, a Autonomia não passa de "Atonomia"(ciência ou arte que se ocupa de sacar,em proveito próprio,o máximo possível).
Há quem não tenha a memória curta, e se lembre,de quem,na ditadura salazarista,tecia loas ao regime anti-autonómico.
A generosidade da Democracia até permitiu que, escroques dessa natureza, dela se aproveitassem...para a explorar, malbaratar e maltratar.
Na prostituição há desses "agentes"; no poder instalado,como se vê, também.
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