terça-feira, 19 de maio de 2009

O povo superior

Para não variar, a histeria passou depressa. Jardim disse o que disse. Mas dois dias bastaram para que se esvaziasse o balão do descontentamento. Ainda bem que na Madeira é assim. As ofensas duram horas. E aos insultos mal se liga. Creio que neste particular o dr. Jardim tem carradas de sorte e de razão. Somos de facto um povo superior. Dotado de uma capacidade de encaixe virtual e virtuosamente ilimitada. Alegremente acomodado à frenética produção regional de ameaças e vitupérios. Olimpicamente condescendente com o sistemático atropelo da decência e das regras.
Os empresários do sector hoteleiro foram os alvos mais recentes dos humores incertos de sua excelência. Deram-se ao inenarrável desplante de almoçar com o primeiro-ministro do seu país. Terão mantido com ele um diálogo civilizado e eventualmente útil. E chegaram ao ponto de posar sorridentes para os flashes das câmaras dos fotógrafos. Um verdadeiro despautério, em suma. Que deixou o dr. Jardim de cabelos em pé. E lhe permitiu perceber uma realidade estarrecedora. A seguinte: na sua generalidade, os empresários estão muito mais interessados em olear a economia em que actuam do que em envolver-se na política politiqueira que não leva ninguém a lado nenhum. Hoje com o dr. Jardim. Amanhã com o engenheiro Sócrates. Depois de amanhã com quem lhes assegurar bons negócios e liberdade de acção.
Compreendamos, pois, o homem. Qualquer um no lugar dele reagiria como ele reagiu. Desde que, como é evidente, tivesse da democracia, do exercício do poder e da intervenção do estado na sociedade a concepção que ele manifestamente tem.
Bernardino da Purificação

domingo, 17 de maio de 2009

Impressões de uma viagem

Ando preocupado com o dr. Jardim. Esbraceja de modo inquietante e patético. Aceita desaforos com a passividade de quem perdeu a razão, a vontade ou o fôlego. E, muito pior, assiste cabisbaixo aos acontecimentos em que participa com a humildade forçada de um actor de quarto plano. Estará doente (lagarto, lagarto, lagarto), o nosso venerando líder? Ou estará simplesmente farto da evidente inconsequência de muitas das guerras que inventa?
Reparem. O senhor Pinto de Sousa passou por cá. Distribuiu cumprimentos e espalhou sorrisos. Entregou magalhães e seduziu empresários. E teve ainda tempo de assumir de peito aberto, e sem tíbias meias-tintas, as suas conhecidas divergências com o senhor da ilha. Uma goleada, em suma. Diante de um valoroso adversário temível a falar de longe. Que só deu nas vistas por ter mantido a boca calada. E que assistiu, roído de raiva e escondido algures, ao passeio tranquilo do seu mais recente ódio de estimação. Peço desculpa se estiver a ver mal. Mas não creio que o Jardim atropelado que vimos seja o mesmo que se afadiga no diário propósito de demonstrar-nos que só ele tem o poder de mandar e desmandar, de fazer e desfazer, de dizer assim ou assado apenas porque lhe apetece.
Certo. Só uma rematada burrice daria ao senhor Sócrates a Marinha Grande que nesta altura tanto jeito lhe dava. E Jardim, não custa reconhecê-lo, pode ser tudo menos burro. Mas daí à embaraçada complacência com que viu a presuntiva fonte de todos os nossos males passados, presentes e futuros fazer gato-sapato da sua principal bandeira eleitoral (a famigerada lei de Finanças Regionais) vai a distância que separa a falta de comparência da derrota honrada. E bem pode esfalfar-se agora escrevendo e gritando que o primeiro-ministro faltou à verdade. O simples facto de o engenheiro Sócrates ter cá vindo serenamente dizer o que pensa tem um peso que obviamente abala a estratégia de um político que, pelos vistos, só sabe fazer-se ouvir a partir da casota. Até porque agora ficou aberto o caminho para que todos possamos perceber que a culpa de uma lei, que também eu considero injusta e errada (porque errados são os seus pressupostos), reside nesta nossa jardinista e cunhista mania de propalarmos aos quatro ventos, seja na Europa, seja no país, uma riqueza que estamos longe de ter. Ora, foi esse um dos méritos da visita. A partir de agora, o dr. Jardim vai ter de explicar melhor que raio de milagre é este que nos põe tão ricos nas estatísticas nacionais e europeias, mas tão pobres, afinal, na realidade. A menos que a oposição (e, em particular, o PS regional) não saiba aproveitar a boleia de uma visita tranquila de um primeiro-ministro que o dr. Jardim não ousou enfrentar.
Bernardino da Purificação

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Mistérios de campanha

Gosto do ambiente festivo das campanhas. Não há depressão que resista a umas quantas toneladas de cartazes. Não há crise que não ceda perante a força assertiva da frase criativa. É disso que gosto. Da imaginação à solta. Da cor berrante sem rédea. Do arraial apelativo do bacalhau a pataco.
É claro que a democracia era bem capaz de dispensar grande parte das pequenas fortunas que nestas alturas se gastam. Se houvesse imaginação e decoro, creio bem que partidos e candidatos seriam capazes de estabelecer um contacto com os cidadãos não necessariamente mediado por um sem número de frases dispendiosas com escasso ou nenhum sentido. Porém, compreenda-se. Há uma pequena indústria que não vive sem o lado cénico da política. De modos que o mais certo é que ninguém pretenda agravar os males importados ou endémicos desta perpétua crise nossa de cada dia.
Permitam-me no entanto o atrevimento de um desabafo. Ando maçado com a falta de qualidade daquilo que vejo. Já que as campanhas nos custam os olhos da cara, acho ter o direito de exigir que os partidos façam mais do que cumprir calendário. Dizendo coisas que a malta entenda. E tendo a decência de não se apartarem da realidade. Ora, em geral, o que se vê é o contrário disso.
O PS, por exemplo, exibe o dr. Vital acompanhado de uma frase enigmaticamente inacabada. "Nós, europeus" é tão só o que diz a curiosa sentença. Sem o favor explicativo de um verbo. Sem a graça qualificativa de um complemento. Um problema sintagmático, em suma. Que me deixa perplexo. Que quase me exaspera de dúvidas. Que me faz abrir a boca de espanto perante a densidade esotérica do marketing político.
Já o PSD é mais palavroso. A frase que acompanha o cavalheiro-que-está-no-lugar-que-era-para-ser-do-dr.-Sérgio (desculpem, mas não lhe fixei ainda o nome) sentencia que somos cada vez mais europeus. Mais do que exaltar a clareza da mensagem, rendo-me à sua evidente oportunidade. Porque, pelos vistos, a percepção da nossa identidade tem andado um tanto à deriva. Se calhar, do mesmo modo que temos tido o futuro ao sabor do vento. Mas pronto. As nossas dúvidas existenciais estão agora esclarecidas. É verdade que o cartaz laranja (o tal que era para ter o dr. Sérgio, mas que transporta, ao invés, um substituto que os eleitores um dia destes hão-de ter o privilégio de conhecer) nada nos diz sobre as razões de tão súbito reforço dessa nossa magnífica condição. Aposto, no entanto, que neste caso o mistério é filho da modéstia. Acreditem. A verdade-verdadinha é que nós passámos a ser mais europeus no preciso dia em que o dr. Jardim tomou a decisão de passar metade do seu tempo em Bruxelas, ou em outras cidades afins, fazendo sabe-se lá o quê.
É dos livros que um povo há-de ser aquilo que for o seu líder. Humilde, no entanto, o dr. Jardim finge que não é nada com ele. E assim dribla a maçada de explicar-nos aquela coisa indecorosa do PIB empolado e pantomineiro que ele usa em seu proveito na Europa, mas que na realidade nos vai penalizando o desenvolvimento, a economia e os bolsos.
Bernardino da Purificação

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Manobras de diversão

Não custa reconhecer que o homem é um verdadeiro ás. Dispara cortinas de fumo com a precisão dos atiradores de secretária. Inventa manobras de diversão com o rigor militar das casernas que nunca frequentou. E arremete contra os inimigos que imagina com a valentia desenvolta de um verdadeiro Quixote. Um cabo de guerra, em suma. Um general. Com pança. Rodeado de sanchos. E devidamente montado em cavalgaduras dóceis.
O último prodígio que lhe conhecemos ganhou a forma ondulante de meia dúzia de bandeiras da independência que ninguém quer. E Lisboa ficou a saber que a Madeira está por tudo. Até, veja-se a ousadia (!), para o atrevimento de fazer subir ao mastro cimeiro do resquício colonial o símbolo já extinto da libertação sonhada.
A avaliar pela controvérsia, é de presumir que o Terreiro do Paço tenha tremido. O Conselho de Estado deve ter-se reunido a toque de caixa, obviamente amputado da presença do comandante Jardim. Os ministros, sitiados em São Bento, deverão ter-se desmultiplicado em cenários de catástrofe e em planos de contingência. A tropa, GNR incluída, terá entrado em estado de alerta. A protecção civil, transida, mergulhou com certeza no bunker das situações de emergência. E, muito provavelmente, até o herdeiro da lusa coroa deve ter entrado em agonia perante o cenário doloroso de mais um braço da pátria indivisível e una ameaçando apartar-se.
Julgo saber que a população da ilha não deu um mínimo de importância ao caso. Não admira. Tivessem antes hasteado a bandeira da autonomia e mais amplificado e politicamente conseguido teria sido com certeza o efeito alcançado. De modos que os menos esclarecidos nem deram conta da acontecência. Os razoavelmente informados ouviram falar dela mas não lhe passaram cartão. E os que, apesar de tudo, ainda ligam alguma coisa à política tiveram mais que fazer do que perder tempo com tolices.
Há, no entanto, uma leitura política que vale a pena ser feita. A avaliar pelo episódio, a política madeirense travestiu-se de paródia. O desemprego dispara, mas quem manda gasta o tempo a agitar utopias que ninguém quer. A dívida galopa, mas o poder trata dela com a atitude desbragada de um carnaval trapalhão. E a crise global ameaça, mas o nosso governo próprio consome-se em disparatadas congeminações que nem sequer atenção merecem.
Julgo que não erro se disser que nos dava muito jeito um governo. Com um presidente residente. E com responsáveis sectoriais politicamente responsáveis. Só que em vez disso temos uma nada esforçada comissão administrativa. Formada por funcionários travestidos de políticos. Que pouco ou nada planeia. E que se limita ao expediente que vem da véspera. Porém, nota-se que se divertem. Inventam inimigos. Brincam à política e às guerras. Mandam hastear bandeiras. E dizem enormidades.
Aqui vai mais uma. Na esteira flamejante da onda abandeirada que o mais-importante-da-ilha para sua diversão decretou, vem agora a estrepitosa sentença: "se ficasse à espera da republica portuguesa, a Madeira nunca teria dado o salto que deu". Para sermos justos, não se pode dizer que a frase tenha um conteúdo cem por cento separatista. Percebe-se, no entanto, que a ideia está lá. O que Jardim quer dizer é que a Madeira se basta a si própria. Esquecendo, no entanto, que as carradas de milhões que vieram da Europa só cá chegaram por sermos uma região politicamente autónoma mas juridicamente integrada num país europeu. Ora, já que as suas motivações pátrias parecem ser puramente mercantis, faça o cavalheiro o favor de pôr os olhos, por exemplo, em Cabo Verde, e veja lá se é capaz de manter as provocações separatistas que tanto gozo lhe dão. A menos que o seu problema seja mesmo com a forma republicana de governo que o país adoptou. Se é isso, paciência, nada a fazer. Cada um cultiva as nostalgias que entende. Acho, porém, lamentável que pretenda passar uma esponja sobre o ponto em que nos deixou o estado novo da sua permanente saudade. É que se agora damos saltos, nesse tempo nem um passo conseguíamos dar. E muitos mais daríamos se a autonomia que temos nos providenciasse um governo de verdade.
Bernardino da Purificação