Um sambódromo! Li no oficialmente oficioso que o governo estuda a construção, em zona plana da cidade, de um espaço com capacidade para albergar os dois ou três cortejos alegóricos que abnegadamente produzimos por ano. É mesmo disso que estamos a precisar. Depois, é claro, da construção do novo estádio do Marítimo, de mais meia dúzia de marinas, de dúzia e meia de novos parques empresariais, de uma dezena de centros cívicos, esses notáveis instrumentos socializadores substitutos das tascas e dos adros da igreja do tempo dos nossos avós, e de mais umas quantas promenades apalmeiradas para reganharmos para sempre o mar (ai como é glamoroso e quente este mix engenhoso e próspero que nos dá, a um tempo, a elegância afrancesada de um passadiço e o tropicalismo vegetal de umas quantas fileiras de plantas exóticas e respectivos comensais...!).
A notícia, admito, é omissa quanto a estas últimas prioridades. Elas são, digamos, um acrescento meu. Juro, porém, que o dito cujo está em linha com o frenético e vagamente delirante obrismo que tomou conta de nós. Um sambódromo, Santo Deus! Como é que só agora alguém teve a inspiração de pensar em semelhante isso?
Convém dizer, porque a verdade o reclama, que a notícia em apreço contém ainda uma outra omissão sintomática. Não revela que papel está destinado à Câmara do Funchal na edificação desse por certo magnífico monumento pensado em prol da nossa alegria futura. Santa paciência, mas é compreensível: uma cidade que foi incapaz de fazer da comemoração dos seus quinhentos anos um momento de afirmação nacional e internacional da importância estratégica e simbólica do seu passado não é parceiro que se recomende no presente; e uma cidade que reduz a necessidade de se afirmar e projectar para o exterior a umas quantas festarolas de cariz doméstico, cujo registo já se evaporou entretanto da memória dos poucos que nelas participaram, nem merece ser consultada. Trate mas é de arranjar o terreno, e pronto. O resto há-de ficar, como é óbvio, por conta de uma qualquer sociedade (dita) de desenvolvimento. Desde as artes da concepção ao esmero da construção.
Confesso que, assim de repente, não consigo visualizar a imagem de um sambódromo encaixado na cidade. Sou curto de vistas, é o que é. Ou então, hipótese a ter em conta, estou a ser vítima do conhecimento que tenho da volumetria maravilhosa e da estética de encantos mil do original situado no Rio de Janeiro dos nossos sonhos de férias. Estão a ver aquele enorme e cinzento paredão, algures na Choupana, a acenar todos os dias a quem está cá em baixo no Funchal? É uma coisa daquele tipo. A diferença é que, em vez de um, os enormes paredões são dois, convergindo ambos em bancadas e escadinhas em direcção a uma larga alameda onde desfilam os foliões. Coisa pouca, como se vê. E, sobretudo, pequena.
Costuma dizer-se que a vida são dois dias e o Carnaval são três. Pois bem, meus senhores, a Madeira, pelos vistos, está à beira de inaugurar um novo e certamente sugestivo aforismo de pendor carnavalesco. Se calhar, atenta a criatividade notável dos nossos denodados governantes, qualquer coisa do género: como no entrudo vale tudo, façamo-lo acontecer sempre que a gente quiser.
Um sambódromo. Mas que ideia brilhante. Pela novidade. Pela originalidade. Pelo alcance. De facto, nada como um Carnaval perpétuo para nos esquecermos de que o desemprego já afecta entre nós mais de dez mil famílias. Ora digam lá se não vale a pena o investimento...
Bernardino da Purificação
5 comentários:
Talvez nas Romeiras...
Ora, caro Bernardino, um sambódromo até que ficaria muito bem ao lado do fogódromo (que também é só para acender na noite de S. Silvestre) proposto pelo nosso amigo João Carlos num dos seus arrebatamentos lírico-turísticos...
Adorei o texto, é isto e mais uma praia de areia na Ribeira Brava...
Trata-se de uma brilhante ideia! Um sambodromo é um equipamento social de grande utilidade. Concretize-se a ideia rapidamente. Parece-me que,nestes trinta anos de GR, depois da mudança da cor dos táxis de verde-preto para azul-amarelo esta é 2ª medida estruturante da governação.
Eu cá acho que o sambódromo,o fogódromo e a praia de areia na Ribeira Brava, são obras menores que não estão à altura da visão estratégica dos nossos governantes.
Ouvi dizer que existem conversações(com o menino milionário ex-Andorinha)no sentido de safar a enrascada do Porto Santo e,simultaneamente, interessá-lo numa parceria(com o governo)virada para o desenvolvimento das Desertas.
Começando - na Deserta Grande - pela construção de uma marina,de uma lagoa-reservatório,de um teleférico,de um helioporto(mais funcional que o do Porto Moniz), do adequado número de datchas (governamentais,claro está)equipadas com painéis solares(última geração,fortemente subsidiada pelo governo central)e de um complexo lúdico-comercial(estilo Freeport,mais requintado,dotado de bar,boite,cinema,supermercado-vip,etc.)cuja exploração(comedida)será concessionada aos privados "empreendedores" indígenas do costume.
O abastecimento será garantido por via marítima,através da adequada adaptação a um novo percurso Funchal-Deserta-Porto Santo(compensado com o necessário e justo subsídio orçamental).
Isto,sim,é que é obra.
É mesmo a Madeira em marcha.
Quem é que não acha?!
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