Não sei porquê, mas sinto que tenho um fraquinho especial pelo ímpeto reformista do secretário regional dos Assuntos Sociais. Às vezes, diverte-me. Noutras, confesso que me assusta. Mas, como o homem parece gostar de mexer com as coisas, que se lixe o susto e viva a diversão.
Já deu para perceber que o dr. Jardim Ramos é um político de muitos méritos. Com a simples substituição de um director regional conseguiu a proeza de erradicar a pobreza da nossa querida terra. E, agora, com a remoção pura e simples de duas dúzias de médicos acomodados (de acordo com a terminologia do seu corajoso e perspicaz diagnóstico) prepara-se para elevar os padrões dos serviços hospitalares ao patamar da excelência.
Bem haja, pois, dr. Jardim Ramos. Graças a vosselência, a expressão "ovo de Colombo" ganha uma dimensão inusitadamente nova. E são, podem crer, políticos da estirpe deste intrépido e insigne reformador que me reconciliam com a política e me fazem ter esperança de que há-de haver (é imperioso que haja) um dia de amanhã.
Se bem repararmos, o dr. Jardim Ramos transporta consigo a marca do governo a que pertence. Tal como os outros, tem uma reconhecida capacidade de produzir uma ou duas (admito sem esforço que, por junto, possam ser assim tantas) boas ideias abstractas. E, exactamente como os seus iluminados parceiros, é capaz de montar completos desastres a coberto e na esteira dessas duas magníficas ideias.
É necessário dar exemplos? Ok, pensem nas marinas e nos parques industriais. Já agora, acrescentem-lhe a tola utilização de um PIB empolado. E, de caminho, juntem-lhe também a liberalização mal estudada dos nossos transportes aéreos. Chega? Estou certo que sim.
Retome-se então o entrecho.
De modos que o dr. Jardim Ramos traz consigo esta indelével marca. Age mais depressa do que pensa. Pensa pouco e quer fazer muito. É assim uma espécie de Lucky Luke da organização da nossa Saúde. Chega a ser mais rápido do que o próprio pensamento.
Sua excelência há-de ter lido num livro qualquer que todas as organizações necessitam de injecções ocasionais de sangue novo e ideias novas. Como o hospital é a organização mais apetecível e visível à sua mercê, o dr. Ramos centrou nela o seu experimentalismo mal estudado. E como o seu negócio é a saúde, decretou-lhe a aplicação de um choque terapêutico: altera-se a orgânica; remove-se a gente antiga; rejuvenesce-se a equipa dirigente. E um dia, pensou ele, o povo há-de agradecer.
Pois bem, o resultado está à vista: alterou-se a orgânica à revelia dos médicos; removeu-se a gente antiga, num processo marcado pela deselegância e pelo ressentimento; e rejuvenesceu-se a equipa dirigente, em muitos casos, com gente recém-formada que um dia há-de lamentar ter sido alienada prematuramente da prática médica. E tenho dúvidas de que o povo possa estar grato a um processo que, para já, mais não fez do que levar a instabilidade e o ressaibo pessoal a uma classe e a uma instituição que tem a nossa saúde nas mãos.
Como não sou médico nem conheço o currículo das pessoas envolvidas no choque terapêutico do dr. Ramos, é evidente que não me pronuncio sobre a bondade ou maldade da coisa. Para já, a minha preocupação é outra. Tem mais que ver com aspectos formais do que com questões de substância (a despeito de saber que, nestas coisas, a forma é sempre substantiva). Não compreendo, por exemplo, como é que se pode justificar a mudança agora operada com a necessidade de combater o eventual acomodamento dos médicos que até agora dirigiram os serviços hospitalares. Do mesmo modo, compreendo mal que se ponha na rua gente qualificada pela via indigna de uma notícia de jornal. Finalmente, faz-me impressão que se faça tudo isto sem a prévia elaboração de um relatório de performance.
A primeira das três questões enunciadas leva-me a concluir que o governo do PSD anda há vários anos a pactuar com a inércia do acomodamento instalado nos nossos hospitais. Isto é, o governo é objectivamente responsável por todas as nefastas consequências decorrentes dessa situação de acomodamento. Jardim Ramos dixit.
A segunda das minhas objecções leva-me a pensar que o secretário regional dos Assuntos Sociais pretende obter na praça pública, ou seja, na rua, a cobertura que porventura lhe falta, ou perdeu, no seio da instituição que pretende reformar. Interessante.
A terceira constatação que os factos conhecidos permitem é que se fazem reformas sem estudo prévio, abrem-se novos ciclos sem a avaliação antecipada daquele que se fecha, tira-se uns e põe-se outros assim como quem manipula um brinquedo qualquer. Significativo.
É claro que é tão prematuro vaticinar desgraças como augurar desejáveis êxitos. Mas há uma coisa que é visível para já: o dr. Ramos fez as coisas com um tal tacto que até parece que o hospital se encontra em estado de sítio. As notícias não mentem. E delas o que se percebe é que a nossa saúde se encontra entalada no meio de uma refrega que tem um governo contra médicos, e que, pior do que isso, acaba de pôr médicos contra médicos. Ora, não é assim que se reformam as organizações. E um dia o dr. Ramos há-de percebê-lo.
Bernardino da Purificação
3 comentários:
Sr. Bernardino além das questões que bem levantou há duas que esqueceu. A promiscuidade entre os sectores privado e o público na saúde e os custos que, não parando de crescer, ninguém parece valorizar. Sou dos que duvidam da eficácia das medidas tomadas mas se daqui algo de útil vier terão o meu aplauso. Antevejo , porém, que levará a resultados identicos ÀS MARINAS E AOS PARQUES INDUSTRIAIS
O Dr. Ramos um dia perceberá o quê ?
Aquela cabeça biologicamente assente sobre o pescoço, pensa ?
Amigo Bernardino (permita-me o trato)preocupe-se com aquilo que tem que efectivamente que se preocupar na presente qualidade com que nos brinda com as suas notaveis análises.
Se porventura encontra-se cansado, suspenda por algum tempo a sua actividade, descanse...mas por amor de Deus, jamais se preocupe com aquilo que não existe.
Então o Dr. Ramos, agora já pensa...Por favor !
Não lhe chega a analise superficial daquela já referida abóbora que encerra o pescoço ?
Porque é que os Aministradores Hospitalares têm que ser médicos?
Não será o caso do sacrificio de um bom médico para que em compensação passamos a ter um mau administrador ?
Qual a necessidade da confusão ?
Porque é que os médicos são geridos institucionalmente como uma classe diferente ?
A conceder que estou errado, porque é que o Ministro da Defesa, não é militar ?
Postar um comentário