sexta-feira, 3 de julho de 2009

A autonomia dos padrões rasteiros

Vamos a ver se consigo parar antes de cair no precipício moralista. Sabem. Abomino o discurso beato aplicado à análise dos comportamentos. E tira-me do sério a hipocrisia que faz habitualmente o seu curso paredes-meias com a sonsice da crítica lamecha. Não obstante, considero que a dialéctica política tem limites de decência que não devem ser diminuídos. Do mesmo modo que tenho como óbvio que há uma diferença abissal entre rebaldaria de taberna e confronto democrático urbano.
Falo, como se percebe, do caso político da semana. O ex-ministro Pinho perdeu a compostura no Parlamento. Entrou no terreno perigoso onde se misturam a intolerância, a falta de sentido de estado, a descortesia institucional e a falta de respeito pelos adversários. E acabou obviamente demitido. Como é evidente que deve acontecer sempre que alguém diminui a imagem pública da posição que ocupa no estado. Como é claro que só pode acontecer quando alguém rebaixa, por natureza ou por lapso, a dignidade da função que em nome do povo lhe está confiada.
Em suma, o ministro Pinho actuou como não devia e teve a sorte que mereceu. Ele próprio, honra lhe seja, prontamente o reconheceu. O primeiro-ministro soube de imediato traçar a linha que separa a responsabilidade pública dos imperativos da solidariedade política. E o presidente da Assembleia da República, a despeito da sua filiação partidária, soube colocar as coisas nos seus termos devidos.
Houve, no entanto, exageros que não posso deixar de registar. Para além, como é evidente, de algumas gritantes e significativas omissões. Por exemplo, foram a meu ver despropositadas, para além de obviamente oportunistas, certas tentativas de conferir uma conotação partidária a um caso evidente de exclusiva responsabilidade pessoal. Assim como me pareceu exagerado que o presidente da República se tivesse dado ao trabalho de, um dia depois de consumado e resolvido o incidente, descer das alturas que habita para rasgar em público as vestes na severa condenação de um episódio pontual já entretanto sanado. Sua excelência quis, pelos vistos, também molhar a sopa. O problema é que se esqueceu de todas as caldeiradas a que tem assistido com a passividade das esfinges e o alheamento das múmias.
Não tenho a intenção de fazer chover no molhado. Mas, com franqueza, a honra do parlamento nacional tem uma bitola de avaliação superior à que deve medir a dignidade da nossa assembleia regional? A pergunta, como se calcula, é meramente retórica. Porque é evidente que, resultando ambas da emanação da vontade popular, e mau grado as precedências que as separam na hierarquia das instituições políticas do país, a dignidade da primeira é exactamente igual à dignidade da segunda. Independentemente dos silêncios comprometedores do dito presidente de todos os portugueses. Bem como do insuportável atestado de menoridade que esses silêncios necessariamente comportam.
É claro que sei que somos nós os culpados da ofensiva indulgência com que o país lida com o achincalhamento permanente das instituições regionais. Ao ponto de, para nossa desgraça, ter sido necessária a ajuda de um incidente lamentável na Assembleia da República para nos darmos conta de como são aviltantemente baixos os nossos níveis de exigência, e de como são rasteiros os padrões de comportamento com que alegremente convivemos.
Bernardino da Purificação