Não custa reconhecer que o homem é um verdadeiro ás. Dispara cortinas de fumo com a precisão dos atiradores de secretária. Inventa manobras de diversão com o rigor militar das casernas que nunca frequentou. E arremete contra os inimigos que imagina com a valentia desenvolta de um verdadeiro Quixote. Um cabo de guerra, em suma. Um general. Com pança. Rodeado de sanchos. E devidamente montado em cavalgaduras dóceis.
O último prodígio que lhe conhecemos ganhou a forma ondulante de meia dúzia de bandeiras da independência que ninguém quer. E Lisboa ficou a saber que a Madeira está por tudo. Até, veja-se a ousadia (!), para o atrevimento de fazer subir ao mastro cimeiro do resquício colonial o símbolo já extinto da libertação sonhada.
A avaliar pela controvérsia, é de presumir que o Terreiro do Paço tenha tremido. O Conselho de Estado deve ter-se reunido a toque de caixa, obviamente amputado da presença do comandante Jardim. Os ministros, sitiados em São Bento, deverão ter-se desmultiplicado em cenários de catástrofe e em planos de contingência. A tropa, GNR incluída, terá entrado em estado de alerta. A protecção civil, transida, mergulhou com certeza no bunker das situações de emergência. E, muito provavelmente, até o herdeiro da lusa coroa deve ter entrado em agonia perante o cenário doloroso de mais um braço da pátria indivisível e una ameaçando apartar-se.
Julgo saber que a população da ilha não deu um mínimo de importância ao caso. Não admira. Tivessem antes hasteado a bandeira da autonomia e mais amplificado e politicamente conseguido teria sido com certeza o efeito alcançado. De modos que os menos esclarecidos nem deram conta da acontecência. Os razoavelmente informados ouviram falar dela mas não lhe passaram cartão. E os que, apesar de tudo, ainda ligam alguma coisa à política tiveram mais que fazer do que perder tempo com tolices.
Há, no entanto, uma leitura política que vale a pena ser feita. A avaliar pelo episódio, a política madeirense travestiu-se de paródia. O desemprego dispara, mas quem manda gasta o tempo a agitar utopias que ninguém quer. A dívida galopa, mas o poder trata dela com a atitude desbragada de um carnaval trapalhão. E a crise global ameaça, mas o nosso governo próprio consome-se em disparatadas congeminações que nem sequer atenção merecem.
Julgo que não erro se disser que nos dava muito jeito um governo. Com um presidente residente. E com responsáveis sectoriais politicamente responsáveis. Só que em vez disso temos uma nada esforçada comissão administrativa. Formada por funcionários travestidos de políticos. Que pouco ou nada planeia. E que se limita ao expediente que vem da véspera. Porém, nota-se que se divertem. Inventam inimigos. Brincam à política e às guerras. Mandam hastear bandeiras. E dizem enormidades.
Aqui vai mais uma. Na esteira flamejante da onda abandeirada que o mais-importante-da-ilha para sua diversão decretou, vem agora a estrepitosa sentença: "se ficasse à espera da republica portuguesa, a Madeira nunca teria dado o salto que deu". Para sermos justos, não se pode dizer que a frase tenha um conteúdo cem por cento separatista. Percebe-se, no entanto, que a ideia está lá. O que Jardim quer dizer é que a Madeira se basta a si própria. Esquecendo, no entanto, que as carradas de milhões que vieram da Europa só cá chegaram por sermos uma região politicamente autónoma mas juridicamente integrada num país europeu. Ora, já que as suas motivações pátrias parecem ser puramente mercantis, faça o cavalheiro o favor de pôr os olhos, por exemplo, em Cabo Verde, e veja lá se é capaz de manter as provocações separatistas que tanto gozo lhe dão. A menos que o seu problema seja mesmo com a forma republicana de governo que o país adoptou. Se é isso, paciência, nada a fazer. Cada um cultiva as nostalgias que entende. Acho, porém, lamentável que pretenda passar uma esponja sobre o ponto em que nos deixou o estado novo da sua permanente saudade. É que se agora damos saltos, nesse tempo nem um passo conseguíamos dar. E muitos mais daríamos se a autonomia que temos nos providenciasse um governo de verdade.
Bernardino da Purificação